terça-feira, 29 de março de 2011

UMA LENDA ORIENTAL

Era uma vez um tolo, que vivia à margem dum pagode, sonhava a tal ponto com o Céu que não mais enxergava a terra. Sua fé na justiça de Deus era de tal forma inabalável que ele suportava tudo submisso: ofensas, injustiças causadas principalmente por pessoas ricas e felizes. E até se divertia ao demonstrar seu desprezo pelo mundo e pelas pessoas de mente ingênuas que segundo ele vivia a beira do abismo do pecado.
Passara o tempo, como sempre passou e ninguém consegue dete-lo. Morre o tolo com profunda convicção de receber sua recompensa por sua paciência e submissão vivendo no mundo material. Leve e radiante ascendia ao espaço. Seu corpo espiritual respirava luz e calor. Olhou com desprezo para seus pobres restos mortais que acabara de abandonar. Ele agora se sentia feliz, tudo a sua volta era paz e silencio.
Ele então dizia para si mesmo: eis me aqui a caminho do Céu, preciso agora saber onde fica o palacete celestial, onde preside Deus, praticando sua justiça para eu receber minha recompensa, ver a punição dos pecadores gozadores do mundo. Vagando a caminho do paraíso, ele topava com uma multidão de seres que enchia a atmosfera ao redor do planeta. Eram seres asquerosos, cobertos de úlceras e andrajos. Todos blasfemavam e queixavam-se os pobres espíritos sofredores nada sabiam da justiça de Deus. Ignoravam mesmo o lugar onde estavam, sabiam que Ele reinava nas alturas além das estrelas.
Feliz cheio de confiança, o tolo exaltava a glória de Deus. Atraído pelas ondas de harmonia foi levado para a límpida esfera superior onde se encontrou com a mesma espécie de justos, radiantes sábios que também louvavam a glória Suprema. Sem, no entanto ter encontrado, nosso personagem pergunta a um de seus colegas, para onde iam? Responderam-lhe para o mesmo lugar que você. Buscar as recompensas pelas injustiças sofridas no mundo material, pelo nosso trabalho e fé.
Trabalhando incansavelmente suas convicções, nosso herói subia, outros com ele , todos com grande obstinação, dirigiam louvores a gloriosa sabedoria e misericórdia do Senhor Supremo. Mas quando indagavam onde ficava seu domicílio celestial, a resposta era sempre mais adiante, e o tolo subia. Agora ele era apenas um reflexo luminoso, seus poderes e conhecimentos eram imensos, quase ilimitados. Mas ele continuava aguardando pela justiça Celestial e recompensa pelo seu trabalho.
E assim passando de uma esfera a outra ele finalmente alcançou o centro do Universo. Ali se erguia uma muralha luminosa formada de inumeráveis sóis. Na frente dele refulgindo na imensidade, estava um espírito guardião da morada celestial. Diante dos portões celestiais todos os justos com ele gritavam ao gênio celestial: Abra os portões e deixem-nos passar. Nós merecemos a felicidade de comparecer diante do semblante de Deus. Suportamos pacientemente todas as injustiças e sofrimentos, mesmo em situações estremas entoávamos cânticos à glória Divina, apoiando os fracos e aconselhando os descontentes, triunfamos sobre a dúvida, agora exaustos com a com a imensa subida queremos a Paz anunciada e a justa punição dos nossos perseguidores.
O gênio permanecia mudo, e os portões celestiais fechados. Inquietos os justos se entreolhavam sem entender aquele silencio. Mas eis que de repente surge uma voz poderosa como o trovão, porem harmoniosa como uma harpa... Vão e trabalhe mais, pois suas palavras provam que ainda não estão prontos para comparecer diante do trono de Deus. Vocês acabaram de pedir justiça e recompensa, sem perceber que ambas já lhes foram concebidas. Olhem para suas vestes alvas, os instintos domados, os conhecimentos adquiridos. Tudo isso vocês já receberam pela misericórdia de Deus. Aqueles que os ofenderam, maltrataram e obrigaram-nos a sofrer, seguem atraz de vocês , acusando por sua vez os outros pelas mesmas injustiças e crueldades que impuseram a vocês, sem compreenderem da mesma forma que vocês: Que da matéria somente se liberta através do sofrimento.
O mundo em que vocês outrora viveram já não existe desde cinqüenta bilhões de anos, quando um presunçoso tolo que se achava sábio morreu nas escadarias de um pagode. Tudo já lhes foi concebido pelos poderes e justiças de Deus. Mas vocês procuram a paz sem perceber que ela não existe e que a suprema bem aventurança consiste na constante atividade no Bem... A voz misteriosa calou-se. Uma parte dos justos abaixou a cabeça em submissão e mergulhou em oração, mas a alma do tolo encheu-se de fúria. A duvida que não lhe largara ate à entrada do paraíso murmurava-lhe: E agora quem estava certo? Possesso lançou-se sobre a muralha reluzente tentando galga-la e gritando feito louco. Cumpra-se a justiça prometida, julgue meus opressores e recompense me pelo trabalho feito. Um silencio profundo veio como resposta. Ele arremessou-se de novo para a frente gritando maldiçoes, quando de repente as estrelas que brilhavam no diadema de sua cabeça arrebentou-se desintegrando. Seu corpo transparente desintegrou-se em bilhões de átomos, os elementos desenfreados do caos agarraram-lhe e arrastaram-no para dentro de um furacao que calcinou suas vestes, matou-lhe a memória, permanecendo ele sem seus conhecimentos e poderes.
Feito uma folhinha seca, pairava ele sob um abismo insondável, até que um terrível solavanco paralisou seu desvario. Alquebrado, com dores horríveis, o tolo conscientizou-se a duras penas, que estava enclausurado em uma enorme rocha. De sua Luz radiante sobrou apenas uma centelha púrpura, que refletia feito uma luz errante. Ele tinha dificuldade em pensar. De todo seu poder, todo seu conhecimento, sobrou apenas vaga recordação sobre o que fora outrora. E a consciência de que agora ele era alguma outra coisa como uma simples pedra. Subitamente um canto desafinado quebrou a sonolência em que se encontrava o gigante decaído. Ele viu uma multidão de pessoas quase nuas, cobertas por pele de animais que se aproximava trazendo nas mãos ramos e frutas, que depuseram na rocha e as incendiaram. Prostraram de joelho e oh...Que horror!... Iniciaram um cântico glorificando a justiça de Deus. O canto despertou inesperadamente a memória do tolo e a turba ingênua endeusou a fonte, de toda parte afluía a ela os doentes, inválidos e cegos obtendo a cura em sua água medicinal, uma vez que junto com as lágrimas inesgotáveis do tolo, fluía a própria essência da natureza.
Os miseráveis, os deserdados, os pobres de espíritos compreenderam isto, através das lágrimas dos justos, aliviava o sofrimento do tolo. Com suas próprias mãos trouxeram material e construíram um pagode para preservar a fonte. Cada um que imergia em suas águas exaltava a glória de Deus e dirigia louvores a sua imensa sabedoria, sem se dar conta que ali estava o próprio tolo fundido em sua vaidade pretensiosa de querer se igualar a Deus!... 

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